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Tamara Klink sobre navegar sozinha: “Todas as mulheres são capazes de fazer o que elas quiserem”

By | Mundo Náutico | No Comments

Aos 23 anos, Tamara Klink realizou um sonho que tinha desde pequena: navegar sozinha. Filha do célebre velejador Amyr Klink, que atravessou, a remo, o Atlântico Sul, a jovem partiu da Noruega rumo à França a bordo de um pequeno barco. Apesar de ter o oceano em seu DNA, ela não fazia ideia de como seria a viagem. “Tinha medo de cair do barco, de ele quebrar, de bater numa pedra, do piloto automático falhar, do mar que podia encontrar, coisas infinitas… E, sozinha, a gente é capaz de criar os medos mais poderosos”, afirma.

 

Sem querer preocupar o pai e a mãe – a fotógrafa Marina Bandeira -, Tamara só contou da viagem um dia antes para a família. A jovem organizou todo o roteiro com a ajuda de um amigo. “O Henrique foi a pessoa que me convidou para ir a Noruega e sugeriu que eu voltasse para a França sozinha. Foi ele também que me emprestou uma soma de dinheiro para que eu conseguisse comprar o barco e realizar meu sonho”, lembra.

 

 

A viagem durou cerca de um mês. Tamara aportou na França no fim de setembro. “Tive uma chegada silenciosa, solitária, mas poderosa. E depois que a gente descobre que é capaz, começamos a olhar o mapa e a imaginar os proximos trajetos. Dá vontade de não parar mais”, diz.

 

Durante a travessia, a velejadora encontrou apenas homens e famílias navegando. “Teve um amigo que fiz num porto que me perguntou ‘mas você não tem medo de navegar sozinha?’ Todas as mulheres são capazes de fazer o que elas quiserem, mas é o tempo todo todo mundo falando que a gente precisa se proteger, que temos que nos cuidar, que o mundo é mais dificil pra nós, que tudo é mais perigoso… Até pode ser, mas isso não deve impedir a gente!”, garante a estudante de arquitetura terrestre naval. Confira bate-papo a seguir!

 

 

Da onde surgiu a ideia de cruzar a Europa de barco? Você sempre pensou em fazer uma travessia sozinha?

 

 

Navegar sozinha era um sonho que tinha desde criança. Claro, graças ao contexto familiar que eu pude sonhar com isso… Cresci sabendo que barcos existiam, que o mar podia nos levar pra lugares infinitos, cresci sabendo que a gente podia contornar a terra só em cima de um barco. E a ideia saiu do papel graças a um amigo que sempre acompanhava meu canal no YouTube. Ele me ajudou a comprar um barco e organizar todo o projeto. Aliás, até o antigo dono do barco me deu uma forcinha vendendo a embarcação por um preco irrisório. Parti no fim de agosto e cheguei no fim de setembro.

 

 

Assim que decidiu seguir com o projeto, o que seu pai falou pra você?

 

 

Meus pais não sabiam da ideia da travessia e nem da compra do barco. Não queria contar pra ninguém da família porque sabia que eles iriam ficar apreensivos. Não quis preocupá-los porque eu já tinha meus próprios medos e receios, então, não precisava dos medos e receios do outros pra me dar conta de que era perigoso. Eu me preparei pra fazer isso com a maior segurança possível e quando contei para meus pais eu já estava quase partindo. Minha mãe ficou apreensiva, mas ela não podia me impedir. Já meu pai falou: ‘muito bem, vai lá’. Eles não ofereceram muita ajuda e nem fizeram perguntas, o que me fez me sentir segura porque é um sinal de que eles não tinham dúvidas de que iria fazer isso dar certo.

 

 

Quanto tempo demorou para você conseguir comprar o barco?

 

 

Todo freela que fazia ia para o barco. Fiz bico de atriz num videoclipe, trabalhei como fotógrafa, fazia retratos para Linkedin, filmava competições de barco, desenhava ilustrações… Há muitos anos guardava dinheiro, já pensando na ideia do barco. Mesmo assim, não teria conseguido comprar sem a ajuda do meu amigo Henrique. Ele foi a pessoa que me convidou para ir à Noruega e sugeriu que eu voltasse pra França sozinha. Foi ele também que me emprestou uma soma de dinheiro para que eu conseguisse realizar meu sonho.

 

 

Como foi todo o processo de organização da viagem?

 

 

Fizemos uma lista no Excel com itens importantes em vermelho, médio em amarelo e produtos a mais, pra conforto, em verde. Conforme fazíamos as compras, a gente se permitia mais ou menos. O roteiro da viagem eu fiz considerando que eu faria pernas de um dia no início (entre 24h e 30h) até aprender a gerir o sono. Porque navegando sozinha a gente não pode dormir mais que 20 minutos…

 

 

Você só dormia 20 minutos por dia?

 

 

Na verdade, eu dormia de três a quatros horas por noite. Eu usava uma prática bem comum entre navegadores solitários, o sono polifásico (o método, criado pelo italiano Claudio Stampi, substitui noites dormidas por sonecas de 20 a 30 minutos a cada quatro ou seis horas).

 

Qual foi o melhor momento da viagem?

 

 

O melhor momento foi partir, estava muito ansiosa, parecia que nunca iria sair. Chegar também foi importante, aliás, dois momentos chaves. A cada chegada em um porto eu me dava conta de que eu era realmente capaz. Vencer algo que nunca tinha feito era mágico. Por sermos mulheres nós duvidamos tanto da gente… Mas o trajeto cumprido foi a prova de que eu não poderia duvidar de mim. Tive uma chegada silenciosa, solitária, mas poderosa. E depois que a gente descobre que é capaz, começamos a olhar o mapa e a imaginar os proximos trajetos. Dá vontade de não parar mais.

 

 

E o pior? O que mais te assustou?

 

 

Tinha medo de cair do barco, de ele quebrar, de bater numa pedra, do piloto automático falhar, do mar que podia encontrar, coisas infinitas… E sozinha, a gente é capaz de criar os medos mais poderosos, o que pode nos impedir de fazer coisas. O momento mais delicado foi chegar na Dinamarca e perceber que uma tempestade se aproximava. Esse tempo iria durar umas três semanas, o que atrasaria minha volta pra França. Depois de muito pensar e chorar, cheguei à conclusão de que precisava esperar. Isso atrasaria o meu cronograma, todos os meus planos, a faculdade, mas já que havia me metido nesse projeto, eu tinha que fazer tudo direitinho. Fiquei duas semanas numa cidade pesqueira bem pequena. Todo dia eu saía do porto para tentar pra encarar os medos dessas condições ruins. No começo, pegava ondas que entravam no barco e molhava tudo… Tive até equipamentos eletrônicos queimados por causa da água salgada, mas era importante eu entender do que exatamente eu podia ter medo. Qual era o tipo de mar que me fazia ter medo? Fui racionalizando e deixando tudo menos assustador. Foi bom pra me conhecer também.

 

 

Como era a sua alimentação nesse período?

 

 

A alimentação é parte importante da viagem, às vezes ela pode levantar nossa moral quando as coisas vão mal. Eu comia coisas fáceis de preparar. Na maioria das vezes, eram enlatados porque ficava fácil de esquentar num fogareiro de acampamento que levei. Também tinha comida de pozinho. Misturava ele com água fervendo e logo eu tinha uma lasanha, cuscuz com legumes, frango ao curry…

 

 

O que significou fazer essa viagem sozinha?

 

 

Passar por essa experiência é muito importante para qualquer pessoa. Eu diria que é até necessária pra qualquer mulher se dar conta de que a gente é capaz de muito mais do que aquilo que nos dizem. Isso é muito poderoso!

 

 

Você encontrou outras mulheres sozinhas pelo caminho?

 

 

A maior parte navegava em família e amigos. Às vezes encontrava pessoas sozinhas, mas, em geral, eram homens. E eles ficavam impressionados que uma mulher estava navegando sozinha! Sentia que não havia preconceito, mas eles ficavam chocados porque achavam aquilo uma exceção. Todas as mulheres são capazes de fazer o que elas quiserem, mas é o tempo todo todo mundo falando que a gente precisa se proteger, que temos que nos cuidar, que o mundo é mais dificil pra nós, que tudo é mais perigoso… Até pode ser, mas isso não deve impedir a gente! Teve um amigo que fiz num porto que me perguntou: ‘Mas você não tem medo navegar sozinha no meio do mar e de repente um navio norte-coreano te abordar?’ Gente, primeiro, uma fala carregada de preconceitos, né?! Segundo, se eu tiver medo de ser abordada e violentada no meio do mar, então, eu nem deveria sair de casa. Sei que ele não falou por mal, mas é aquela velha mentalidade de que as mulheres precisam ficar presas em gavetas e que não podem ir pra nenhum lugar!

 

 

O amor pelo mar te ajudou, de certa forma, a sair da depressão?

 

 

Tive depressão no início do ensino médio e depois no começo da faculdade e eu não diria que a navegação me ajudou a tratar isso. O que me ajudou foi ter acompanhamento profissional. O fato de fazer terapias por vários anos permitiu que eu tivesse mais confiança em mim mesma. Seria até uma irresponsabilidade da minha parte navegar sozinha com depressão. Pra fazer a viagem, a gente precisa ter força mental e preparo psicológico pra lidar com as dificuldades. Ondas grandes, solidão, privação de sono, perigos físicos… Temos que estar muito bem para esses momentos. Navegar nunca foi um escape, uma fuga, e, sim, um encontro com algo que quis muito e me preparei pra isso.

 

 

Qual será o próximo desafio?

O proximo desafio é terminar a minha faculdade (risos). Eu estudo arquitetura terrestre naval em Nantes e estou no último ano. Por mais que a navegação me ajude na universidade e vice versa, eu preciso completar também essa travessia. Tudo dando certo com a minha formação, começo a me organizar para levar o barco pra outra parte do oceano. Estou aberta para o que o universo vai me apresentar.

 

Fonte: https://revistaglamour.globo.com/Lifestyle/Must-Share/noticia/2020/11/tamara-klink-sobre-navegar-sozinha-todas-mulheres-sao-capazes-de-fazer-o-que-elas-quiserem.html